Um Aboio Torto | Paulo Nunes |
Este trabalho poético-musical descreve a ocupação do Cerrado mineiro pelo avanço da pecuária e da agricultura, processo que forjou grande parte do atual território nacional. Chegaram naqueles sertões gado e homem, através do aboio, cantiga monótona entoada pelo vaqueiro para o controle e orientação da boiada e quiçá para a sua própria orientação. E homem e gado formaram quase que uma só civilização, uma só cultura, amarrada a palha de milho, couro de boi e corda de viola. Mas estes tempos heroicos e míticos são passados, pouco restando deles, e vive-se, de umas décadas para cá, o processo de acelerada urbanização deste vasto território e de violenta industrialização das cidades e do campo, feita de forma irracional e destrutiva. No entanto, não se trata, aqui, de dar ao Demo o nome Progresso, mas apontar o fato de que o Sertão/Cerrado mineiro foi quase que destruído na sua totalidade — e esta onda de destruição continua avançando para o oeste e o norte do país, e para dentro das pessoas; e o fato de que grande parte da população deste território foi alijada das novas riquezas e, o que é pior, espoliada de sua antiga e rica cultura. Desaboio, um neologismo, é justamente a tentativa de descrever criticamente o momento em que esta cultura se perde do gado, do contato da natureza, do seu tempo e de si própria e assim, num aboio torto, segue numa falsa direção.
O CD Desaboio, de Saulo Alves, é a concretização de um projeto que teve início em 2006 em parceria com o poeta e letrista Paulo Nunes. O longo e cuidadoso trajeto de confecção do disco — e do livro-encarte que o acompanha — reuniu um mutirão de colaboradores, como os músicos Victor Mendes, Dami Baz, Pedro Ribeiro, Chris Arundhati, Uxía, Jean Garfunkel, Ricardo Vignini, Gustavo Sarzi, Helton Pop, Marcelo Berzotti (Jesus), Rafael Ramalhoso, Maurício Teixeira, Ser Tão Trio. Também participaram artistas visuais como Laycer Tomaz, Mário de Almeida e Silvio Diogo; e pesquisadores/professores: Ricardo Ferreira Ribeiro, Luiz Humberto Arantes e Regma Maria Santos.
No disco Desaboio, matrizes musicais como a toada sertaneja, o ritmo da congada, a folia de reis marcam os enlaces da viola com diferentes manifestações da música popular brasileira, além de diálogos com o rock’n-roll, o fado, a canção latino-americana.
O trabalho musical, poético, conceitual relaciona-se ao contexto da destruição do Cerrado, em suas nuances políticas, sociais e culturais. As letras compostas por Paulo Nunes tematizam tanto acontecimentos que podem ser localizados no tempo e no espaço — como o represamento das águas para a construção da barragem de São Simão, em Goiás, no ano de 1975 (A queda); ou o assassinato de Chico Mendes, no Acre, em 1988 (Violeiro do Norte); contextos ecológicos e políticos gerais (migração, ressecamento dos rios, solidão urbana); bem como veredas afetivas e existenciais, próprias da arte do que não tem nome.
Desaboio, CD e livro-encarte, busca aguçar escutas e olhares na direção do artesanato da convivência e do trabalho conjunto, da poesia do repique da viola, da roda do mundo da comunidade, segredos contados que insistem em girar em abraços de encontro.
O disco, dedicado à avó de Saulo Alves, Alice Alves de Oliveira (1922-2014), também faz um tributo ao trabalho do poeta Juca da Angélica (José Joaquim de Souza), nascido em 1918 em Lagoa Formosa, Alto Paranaíba (MG), nas proximidades de Patos de Minas (cidade natal de Paulo Nunes) e Ituiutaba (cidade de Saulo Alves).
Recomendo.
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CANTO SAGRADO
Este trabalho poético-musical descreve a ocupação do Cerrado mineiro pelo avanço da pecuária e da agricultura, processo que forjou grande parte do atual território nacional. Chegaram naqueles sertões gado e homem, através do aboio, cantiga monótona entoada pelo vaqueiro para o controle e orientação da boiada e quiçá para a sua própria orientação. E homem e gado formaram quase que uma só civilização, uma só cultura, amarrada a palha de milho, couro de boi e corda de viola. Mas estes tempos heroicos e míticos são passados, pouco restando deles, e vive-se, de umas décadas para cá, o processo de acelerada urbanização deste vasto território e de violenta industrialização das cidades e do campo, feita de forma irracional e destrutiva. No entanto, não se trata, aqui, de dar ao Demo o nome Progresso, mas apontar o fato de que o Sertão/Cerrado mineiro foi quase que destruído na sua totalidade — e esta onda de destruição continua avançando para o oeste e o norte do país, e para dentro das pessoas; e o fato de que grande parte da população deste território foi alijada das novas riquezas e, o que é pior, espoliada de sua antiga e rica cultura. Desaboio, um neologismo, é justamente a tentativa de descrever criticamente o momento em que esta cultura se perde do gado, do contato da natureza, do seu tempo e de si própria e assim, num aboio torto, segue numa falsa direção.
O CD Desaboio, de Saulo Alves, é a concretização de um projeto que teve início em 2006 em parceria com o poeta e letrista Paulo Nunes. O longo e cuidadoso trajeto de confecção do disco — e do livro-encarte que o acompanha — reuniu um mutirão de colaboradores, como os músicos Victor Mendes, Dami Baz, Pedro Ribeiro, Chris Arundhati, Uxía, Jean Garfunkel, Ricardo Vignini, Gustavo Sarzi, Helton Pop, Marcelo Berzotti (Jesus), Rafael Ramalhoso, Maurício Teixeira, Ser Tão Trio. Também participaram artistas visuais como Laycer Tomaz, Mário de Almeida e Silvio Diogo; e pesquisadores/professores: Ricardo Ferreira Ribeiro, Luiz Humberto Arantes e Regma Maria Santos.
No disco Desaboio, matrizes musicais como a toada sertaneja, o ritmo da congada, a folia de reis marcam os enlaces da viola com diferentes manifestações da música popular brasileira, além de diálogos com o rock’n-roll, o fado, a canção latino-americana.
O trabalho musical, poético, conceitual relaciona-se ao contexto da destruição do Cerrado, em suas nuances políticas, sociais e culturais. As letras compostas por Paulo Nunes tematizam tanto acontecimentos que podem ser localizados no tempo e no espaço — como o represamento das águas para a construção da barragem de São Simão, em Goiás, no ano de 1975 (A queda); ou o assassinato de Chico Mendes, no Acre, em 1988 (Violeiro do Norte); contextos ecológicos e políticos gerais (migração, ressecamento dos rios, solidão urbana); bem como veredas afetivas e existenciais, próprias da arte do que não tem nome.
Desaboio, CD e livro-encarte, busca aguçar escutas e olhares na direção do artesanato da convivência e do trabalho conjunto, da poesia do repique da viola, da roda do mundo da comunidade, segredos contados que insistem em girar em abraços de encontro.
O disco, dedicado à avó de Saulo Alves, Alice Alves de Oliveira (1922-2014), também faz um tributo ao trabalho do poeta Juca da Angélica (José Joaquim de Souza), nascido em 1918 em Lagoa Formosa, Alto Paranaíba (MG), nas proximidades de Patos de Minas (cidade natal de Paulo Nunes) e Ituiutaba (cidade de Saulo Alves).
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CANTO SAGRADO
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