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terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

GRUPO MAMBEMBE - PEQUENA HISTORIA QUE VIROU CANÇÃO

Em meados da década de 1970, Caetano Veloso declarou que a melhor música brasileira era feita em Minas Gerais. Ele se referia à qualidade das composições de Milton Nascimento e seus parceiros do Clube da Esquina. Na mesma época, um grupo dedicado à MPB despontava na cena belo-horizontina. No livro “Grupo Mambembe – pequena história que virou canção”, o compositor Toninho Camargos resgata esse importante capítulo da nossa história musical.
Viabilizado pelo sistema de financiamento coletivo por meio do site Catarse.me, o projeto inclui um CD que reproduz boa parte do repertório do LP lançado pelo Mambembe, em 1981. A publicação é uma parceria das editoras Recanto das Letras e Mundo Produções e recebe o apoio da Secretaria de Estado de Cultura.  
 
Entre sambas, choros e maxixes, destacou-se no repertório do Mambembe a canção “Rio Araguaia”, de Cadinho Faria e Toninho Camargos. De maneira lírica e metafórica, a música que já mereceu várias gravações referia-se à guerrilha do Araguaia em tempos ainda vigiados pela censura do governo militar. Além dos dois compositores, o grupo lançou a cantora Titane, o flautista Miguel Queiroz e colocou nos palcos pela primeira vez o baterista Lincoln Cheib.
Como o próprio Toninho recorda, fizeram parte do grupos músicos Aldo Fer­nandes, Alysson Lima, Antônio Martins, Cláudia Sampaio Costa, Eduardo Amaral, Edson Aquino, Hermínio de Almeida Filho, Lina Amaral, Luiz Henrique de Faria, Marcílio Diniz, Murilo Albernaz, Pau­linho Mattar e Rogério Leonel. A produção era feita por José Maria Caiafa.
Quando o LP do grupo foi lançado, o compositor Fernando Brant declarou: “a gente tem mais é que olhar com carinho para esta rapaziada do Mambembe, gente jovem que enfrenta com coragem as barras da vida. Seja na diária luta cultural e política, na compreensão dos problemas que acorrentam nosso povo, seja no gesto alegre de cantar suas coisas, a sua verdade”.
Décadas depois, o produtor e agitador cultural Afonso Borges aponta o pioneirismo do grupo, que “foi fundador de uma política de atuação cultural formadora de uma geração em Belo Horizonte, entre 1972 e 1985. Seus integrantes (...) souberam construir, com uma música de altíssima qualidade, uma aliança entre música e política que foi repetida por muitos”.

Confira entrevista com Toninho Camargos:

Qual o seu objetivo com esse livro e esse CD?
- De forma geral, o projeto procura resgatar a trajetória, o caminho e a linha de trabalho do Grupo Mambembe de música popular, que atuou a partir de Minas, nas décadas 1970/1980, alcançando um destaque importante. Ao mesmo tempo, o livro procura levantar aspectos conjunturais da música daquele período, de modo que pode tornar-se um instrumento de reflexão sobre o desenvolvimento da prática musical em Minas Gerais.

Como você avalia a trajetória do Mambembe tantos anos depois?
- A elaboração do texto exigiu trabalho de pesquisa, que muito me surpreendeu, porque eu já não me lembrava de muita coisa daquela época. Como toda formação jovem da música, o Mambembe surgiu atuando em busca da profissionalização, mas com uma linha de ação definida. O grupo tinha o que falar com sua canção e procurava conhecer sobre o que estava falando. Atuamos numa época da ditadura e procuramos contribuir com o amplo movimento pelas liberdades democráticas e pela volta da democracia. Pelo reconhecimento de público (regional) que alcançamos, podemos dizer que fomos bem sucedidos.

Entre todas aquelas músicas cantadas ou gravadas pelo grupo, quais você acha que ficaram ou que ficarão como testemunho de uma época?
- A maior parte do repertório do Mambembe, músicas de alguns de seus integrantes como Cadinho Faria, Murilo Albernaz, Edson Aquino, Antônio Martins, dentre outros nos quais me incluo, continua inédita. Gravar disco naquela época era missão quase impossível, exclusividade das grandes gravadoras. Assim mesmo o Mambembe fez o seu disco independente. No CD que lançamos paralelamente ao livro, reunimos parte do trabalho realizado em estúdio para integrar, na época, algum disco de vinil. E também gravações de shows realizadas sem qualquer pretensão profissional. Com a restauração sonora de alta qualidade, puderam ser incluídas no trabalho. Nossa música mais conhecida, sem dúvida, é “Rio Araguaia”, que assino com o Cadinho Faria, nosso compositor de maior destaque.

Se estivesse surgindo hoje, o Mambembe teria espaço de atuação na cena musical brasileira e por consequência na mídia?
- Hoje a realidade é outra. Para se ter ideia, quando o Mambembe começou, e em 1974, havia quase seis anos que nada acontecia. Vivíamos um marasmo cultural tremendo por causa do AI-5. E o grupo surgiu junto com um movimento musical mineiro – despontaram dezenas de bandas mais ou menos no mesmo tempo, que buscavam viver de música sem ter que sair de BH ou Minas. Foi uma batalha coletiva bonita e emocionante, mas que também iniciava o processo de shows intimistas, apresentações em teatro, que não eram usuais antes. O Movimento Estudantil e o Circuito Universitário foram fundamentais para a promoção cultural e artística na época. Foi um processo de construção. Apesar das dificuldades encontradas pelos músicos de hoje, é tudo mais fácil, tudo mais viável.

Como você avalia a produção musical contemporânea?
- Estamos num processo evolutivo, cíclico, que acompanha o processo político e econômico. Pode haver retrocessos temporários, mas de modo geral tudo evoluiu e muito. A música popular em Minas hoje é formada por músicos de alto gabarito, músicos que tiveram a oportunidade de estudar formalmente a matéria – muitos deles completaram o ensino superior musical. São instrumentistas de gabarito. Também despontam grandes compositores do que a gente chamava MPB, ótimos melodistas, ótimos letristas e excelentes trabalhos vocais.

Qual a receita para a cultura nacional voltar a ter espaço na escola e na mídia?
- Esse é o maior problema de todos, em todos os tempos. Quanto mais a mídia se profissionalizou, mais ela reduziu o espaço da arte, especialmente da música. À mídia, hoje, não interessa apresentar a diversidade da música brasileira. Esta diversidade está disponível sim, na Internet, de forma dispersa, mas está lá. Hoje o número de lançamentos de CD independentes ou de pequenas produtoras supera em muito o de lançamentos das poucas grandes gravadoras. Superam em números absolutos, em qualidade artística e em diversidade cultural. Só não superam em número de vendas. A mídia e a indústria fonográfica detêm esse controle. 
*texto extraído http://www.cultura.mg.gov.br

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