Violonista, compositor, cantor e pesquisador de fatos
verídicos de sua região, no norte das Minas Gerais, relacionado à luta
pela terra, a guerra entre grileiros e posseiros, Pedro Boi transforma
tudo isso em música, além das letras românticas, caipiras, o jeito
simples de ser e dizer o que pensa. Aos 56 anos, esse mineiro é um dos
artistas brasileiros que luta pela música da terra.
Pedro Boi começou sua carreira em 1977, juntamente com seis
companheiros que fizeram parte do lendário Grupo Agreste, quando alguns
'perdedores' de festivais da região resolveram se reunir para gravar
suas músicas.
— Existia uma 'panelinha' de festival aqui, que sempre nos prejudicava.
Vimos que o único jeito era formarmos um grupo e ganhar de outra forma
um lugarzinho ao sol. Depois de passarmos um ano de ensaio nos
arriscamos a fazer o primeiro show, a convite do presidente dos
diretórios, na Faculdade de Medicina de Montes Claros. Com um auditório
cheio fizemos a primeira apresentação, e quando fomos para a segunda,
estava completamente lotado, porque os alunos que assistiram, espalharam
para todo mundo — conta.
— Na época cantávamos canções de Luiz Gonzaga, da Banda de Pau e Corda, e
outros, além das próprias. O nosso descobridor foi Téo Azevedo. Ele nos
levou para São Paulo e ajudou a gravar o primeiro LP, ao lado do mestre
Zé Coco do Riachão. E nessa estada por lá nos apresentamos no 'Som
Brasil' e outros programas famosos, o que ajudou a dar uma decolada na
nossa carreira não só para Minas, mas todo o Brasil — acrescenta.
Depois de quase sete anos o grupo gravou seu segundo LP, e depois disso
encerrou atividades, porque somente Boi queria dedicar-se à música
profissionalmente.
— Esse universo é instável e o pessoal queria ganhar dinheiro de forma
segura, com um bom emprego. E cada um foi para um lado diferente.
Atualmente faço um trabalho mesclado, um pouco do que fiz independente e
para o Agreste, que não posso esquecer, por ter tido uma atuação muito
forte, verdadeira — declara.
— Fizemos muitas pesquisas aqui por perto, descobrindo fatos
lamentáveis, massacres que os camponeses sofreram na região, e
resolvemos retratar isso em forma de música.
Jaíba, é
uma dessas, e fala de um episódio que aconteceu na cidade de Jaíba, aqui
perto, que é um grande pólo de irrigação. A questão é que para se
chegar a isso, existiu uma briga 'desgramada' entre grileiros e
posseiros. Descobrimos que um dos autores dessas pendengas era um
coronel da polícia daqui de Montes Claros. Ele tomava as terras dos mais
pobres na força bruta, na base da bala e da faca — relata.
— Depois compusemos
Cachoeirinha, falando de um
episódio que aconteceu na cidade de Cachoeirinha, que hoje se chama
Verdelândia. São casos parecidos sempre de luta do camponês para salvar
suas terras, fonte do seu sustento. Aqui e em qualquer outra parte
sempre tem o mais rico querendo levar vantagem, mudar a sua cerca,
expandindo suas terras e apertando mais o pobre, e por aí vai —
continua.
Entre essas músicas, algumas não foram gravadas devido ao fato de serem fortes demais.
— Tem uma que fala do seu Talurzinho, um camponês que resistiu
bravamente à polícia, até que o prenderam e destruíram sua vida:
deram-lhe choque elétrico, o castraram, até que morreu como mendigo aqui
em Montes Claros, depois de ter perdido parte da memória e toda sua
família. Ele tinha terras na região, que eram herança legítima, com
documentação, mas os opressores não quiseram saber, as tomaram, e ainda
fizeram toda essa maldade com ele. Pretendo gravar essa música, mas não
sei quando — fala.
Coração estradeiro
Pedro Boi, com toda dificuldade do cantor de música regional, tem conseguido seguir estrada e gravou dois discos.
—
Coração Estradeiro, foi meu primeiro solo, e tem o
mesmo nome de uma música que fiz com Braúna, e que é uma homenagem a mim
(risos), fala da minha vida. O disco tem também mais uma porção de
músicas boas. Depois gravei
Passarinho, e agora estou próximo a fazer outro. Na verdade,
Passarinho
já tem sete anos, mas isso é normal para nós que gravamos
independentes, até porque queremos fazer um trabalho de boa qualidade,
uma letra bonita, poética, uma melodia rica, e bons músicos, e isso às
vezes leva tempo quando não se tem capital — explica.
— Qualquer pessoa pode fazer um CD em um dia, usando só um computador e
um teclado, só que descaracteriza a nossa música. Meu trabalho tem uma
viola caipira, uma flauta transversal, uma flauta doce, um baixo
acústico, um acordeon, porque queremos as coisas naturais, que não tire
aquele empenho da roça — acrescenta.
— Entre as músicas que faço tem sempre um xote, porque gosto de colocar
algo mais alegre no meu trabalho, tem também um lado romântico, e o
ecológico que estamos sempre defendendo aqui. Toco uma viola caipira, um
violão, de vez em quanto uma sanfona. Não costumo gravar música de
domínio público por ter muito trabalho meu dentro das gavetas, e preciso
desovar isso primeiro — diz.
As letras polêmicas, denunciando opressões sofridas pelo povo, continuam
no repertorio de Boi, que não cessou de fazer suas pesquisas. Ele gosta
de falar daquilo que faz parte da sua terra.
— Minhas músicas são músicas populares regionais, mas que ganham um
corpo também fora daqui. Porém não tenho expectativas de 'sucesso', de
milhões de discos vendidos, porque sei que a música cultural brasileira,
não faz esse tal 'sucesso' na mídia — constata, acrescentando que os
músicos da região, em sua maioria, mantêm trabalhos paralelos para
conseguir sustentar a família, por ser praticamente impossível viver de
cachês.
— Tenho ganhado meu pão diário, sustentado minha família, formado meus
filhos, através da música, honestamente, mas também com a ajuda da minha
esposa que trabalha muito como educadora, para me ajudar nas contas, e
com o que rende o nosso barzinho, o 'Curralzin do Boi', aqui em Montes
Claros, que além de me ajudar a sobreviver, é um espaço para os artistas
regionais aparecerem, e também para mim é claro (risos) — declara
sempre bem humorado.
—
Lá não tocamos música 'sertaneja', aquela 'sertaneja' (risos), que
agora virou até 'sertanejo universitário', nos causando vômitos. Imagina
que piada macabra difícil de engolir. Primeiro vieram com um tal 'forró
universitário', acharam bonito e agora é isso que querem fazer descer
'goela abaixo', mas não dá, porque não somos idiotas e nem bonecos.
Gosto de chamar a atenção das pessoas para que elas não vivam como se
estivéssemos em um paraíso musical, quando na verdade estamos mais ou
menos perto é do inferno — continua.
— A coisa anda meio complicada, mas vamos alegrando as pessoas e
sobrevivendo, tocando música de altíssima qualidade, no bar, em cidades
históricas de Minas, e aqui pelas barrancas do rio São Francisco, onde
sempre tem um lugarzinho querendo nos ouvir tocar — finaliza Boi.
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