Flor ao sol
Sempre que escuto Déa
Trancoso me lembro de Guimarães Rosa. Ela tem patente para cantar o
sertão. E não é a memória do Rosa de Grande sertão: veredas que me
ocorre primeiro, mas de O recado do morro, novela encantada que faz
parte de seu Corpo de baile. Na estória, uma mensagem vai sendo
retransmitida de maneira tortuosa, prevenindo e salvando a vida da
personagem, enquanto uma canção vai sendo gestada. O senhor aceite, isso
é o sertão, essa mescla de vida, morte, mistério e beleza.
Mas tem outro ingrediente
do escritor na música de Déa, que é esse jeito de falar de grandes
coisas a partir do que parece miúdo. As pessoas do Vale do Jequitinhonha
gostam de pedras – as cidades têm nomes de pedras – e se dedicam a
olhar com paciência e sabedoria milhares de cascalhos que correm pela
bateia para enxergar uma areia que tenha luz por dentro.
Déa é cantora, nasceu em
Almenara, está completando 25 anos de carreira e tem quatro discos. Com
essas poucas balizas, quase uma bússola, estão contidos o Norte, o Sul, o
Leste e o Oeste de Déa. Ofício, raiz, pertinácia e cuidado. Ela só
canta o que deve ser cantado, traz em sua arte todas as emanações de sua
terra, escolheu devotadamente seguir adiante em sua tarefa e nunca teve
pressa que lhe fizesse atropelar a beleza e a responsabilidade com o
destino de artista.
João Paulo Cunha
Editor do Caderno de Cultura
Jornal Estado de Minas
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