DÉA TRANCOSO - Cantora, compositora e produtora cultural, natural de Almenara vale do jequitinhonha. Em 2001,
fundou o selo TUM TUM TUM Discos, através do qual conduz seu trabalho.
Em setembro de 2012, lançou caixa-box com os seus três Cds:
?Tum Tum Tum?(TUM TUM TUM Discos-2006/Biscoito Fino-2010), realizado com
recursos do Fundo Municipal de Cultura de Belo Horizonte e do Programa
BNB de Cultura, recebeu quatro indicações ao Prêmio da Música Brasileira
2007 (concorrendo com Maria Bethânia, Chico Buarque, Alceu Valença,
Antônio Nóbrega, Margareth Menezes) e foi relançado pela parceria TUM
TUM TUM Discos e Biscoito Fino, em 2010, com distribuição no Brasil e no
exterior;
?Serendipity? (TUM TUM TUM Discos-2011), primeiro trabalho autoral que
traz também parcerias com Badi Assad, Chico César e Rogério Delayon,
teve o show de lançamento em Pontevedra/Espanha, durante a Feira das
Indústrias Culturais da Galícia, pelo programa Música Minas. Três
canções desse álbum forão gravadas por outros artistas: Ná Ozzetti e
Mônica Salmaso/SP gravaram ?Minha Voz? (CD ?Embalar?/Ná Ozzetti),
Gonzaga Leal/PE ?Água Serenada? (CD ?De Mim?), e Isabel Nogueira/PR,
?Gismontiana 2? (CD ?Vestígios Violeta?).
?Flor do Jequi? (TUM TUM TUM Discos-2012), realizado através da Lei
Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, no qual Déa Trancoso
convida o violonista Paulo Bellinatti e juntos criam e recriam símbolos
do Vale do Jequitinhonha, sua terra natal. Sobre ?Flor do Jequi? disse a
jornalista Maria Luíza Kfouri: ?Um aula de Brasil profundo. Que coisa é
a Déa Trancoso como compositora. A canção ?Estreleira? é uma
obra-prima?.
Em 2008, fez sua segunda turnê pela Europa (Itália, França e Portugal),
integrando o grupo de artistas mineiros que representou o estado na
SEMANA DE MINAS GERAIS EM TURIM. Em 2009, viajou por seis cidades
brasileiras (São Luis, Curitiba, Belém, Florianópolis, Joinville e
Natal), pelo Centro Cultural Banco do Brasil, abrindo o show do
multiinstrumentista Egberto Gismonti. Em 2011 viajou à Espanha
(Pontevedra/Galícia) pelo Programa Música Minas, representando Minas
Gerais na Feira Internacional das Indústrias Culturais da Galícia.
Em 2012, fez sua terceira turnê pela Europa: Inglaterra, Bélgica,
Holanda, França e Espanha pelo Programa Espírito Mundo, em parceria com
Ministério das Relações Exteriores. Participa das coletâneas ?CHILL
BRASIL 5?, junto com Mônica Salmaso, Roberta Sá, Mart?nália, Céu, a
convite de Charles Gavin (ex-Titãs), e "CHILL?N?BOSSA", ao lado de nomes
como Tom Jobim, João Gilberto, Milton Nascimento, pela Warner Music,
lançadas no Brasil, Europa, Japão e EUA.
Foi indicada duas vezes ao Prêmio da Música Brasileira. Em 2007, em
quatro categorias (Disco Regional, Cantora Regional, Projeto Gráfico e
Voto Popular), concorrendo com Maria Bethânia, Chico Buarque, Alceu
Valença, Daniela Mercury, e em 2013 (Cantora Regional), concorrendo com
Elba Ramalho e Simone Guimarães.
Flor ao sol
Sempre que escuto Déa Trancoso me lembro de Guimarães Rosa. Ela tem
patente para cantar o sertão. E não é a memória do Rosa de Grande
sertão: veredas que me ocorre primeiro, mas de O recado do morro, novela
encantada que faz parte de seu Corpo de baile. Na estória, uma mensagem
vai sendo retransmitida de maneira tortuosa, prevenindo e salvando a
vida da personagem, enquanto uma canção vai sendo gestada. O senhor
aceite, isso é o sertão, essa mescla de vida, morte, mistério e beleza.
Mas tem outro ingrediente do escritor na música de Déa, que é esse jeito
de falar de grandes coisas a partir do que parece miúdo. As pessoas do
Vale do Jequitinhonha gostam de pedras ? as cidades têm nomes de pedras ?
e se dedicam a olhar com paciência e sabedoria milhares de cascalhos
que correm pela bateia para enxergar uma areia que tenha luz por dentro.
Déa é cantora, nasceu em Almenara, está completando 25 anos de carreira e
tem quatro discos. Com essas poucas balizas, quase uma bússola, estão
contidos o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste de Déa. Ofício, raiz,
pertinácia e cuidado. Ela só canta o que deve ser cantado, traz em sua
arte todas as emanações de sua terra, escolheu devotadamente seguir
adiante em sua tarefa e nunca teve pressa que lhe fizesse atropelar a
beleza e a responsabilidade com o destino de artista.
A voz de Déa, que a ajuda a ir tocando a vida na rosa-dos-ventos de seu
destino, tem um agreste muito difícil de definir. Por vezes parece ecoar
o jeito de cantar preso à cultura de seu chão, como se desfiasse um
rosário de cantos coletivos, ao qual ela se soma com humildade, até
quase se dissolver. Em outros momentos, ela nos desafia com um jeito
rascante de afirmar que tem coração de mulher ali por trás.
Há alguns elementos que perpassam tudo que a cantora faz, como um rio
que parece se desviar do caminho reto apenas para dar mais sinuosidade a
uma certeza interior. Em primeiro lugar, mesmo parecendo de início ser
uma artista intuitiva ? que ela também é ? Déa Trancoso faz uma arte
muito culta. Seus cantos carregam a sabedoria construída com muito
labor, crença e festa. Há um mapa de referências que vai se abrindo com
as canções e as sonoridades, que é próprio de um país que escolheu a
música como sua arte mais visceral.
Assim, a convivência de temas de domínio público com composições mais
contemporâneas faz parte de um jogo que tem regras estritas, mas também
espaço para o improviso e a invenção. Quem quiser conhecer catimbó,
coco, lundu, congo dobrado, maracatu, batucão, moda de viola, samba de
caboclo e de roda, vai encontrar na voz de Déa um pórtico. Mas não se
trata de um registro antropológico nem de trabalho de etnomusicologia.
Está tudo vivo, naquela hora. Agora. E, por isso, no coração da memória,
pulsa o sentimento de criação.
Outra característica da arte da cantora é a descoberta de veios que dão
unidade a seus trabalhos. Cada disco, e não são muitos exatamente para
serem inteiros, tem uma alma musical e poética própria. Em O violeiro e a
cantora, ao lado de Chico Lobo, as modas de viola e as canções têm uma
ambientação singular. A sonoridade da viola de 10 cordas, com sua
riqueza de ritmos e harmônicos, faz um leito para o canto que precisa
surgir também como um instrumento. Assim como a viola parece, em sua
longa história, ter deixado um certo inacabamento que dá ao violeiro a
responsabilidade de completar seu som, o canto também é se-fazer.
Tum tum tum já é outra história. Muitas estórias. Não é por acaso que a
epígrafe do disco foi pescada num poeta alemão, Rilke. Há momentos em
que as fronteiras de tempo e espaço se esvaem. Trabalho já autoral em
todos os sentidos, o disco é uma síntese de muitas vivências e heranças,
que foram convocando diferentes climas para cada canção. O equilíbrio
da palavra e dos sons, sempre em secura quase metafísica, cria uma
relação nova com o tempo e exige paciência e entrega. Rituais que vêm da
África, dos índios e do sertão confluem para o ritmo mais essencial.
Tambor e coração são signos do mesmo princípio. A voz, agora, precisa
ser senhora de si. Seu destino é maravilhar, sem pressa nem medo dos
volteios e de seus ciclos encantatórios.
Com Serendipity Déa assume seu destino de compositora. Há mais de um
risco nessa entrega. Além de revelar o que lhe vai na alma, o álbum tira
da artista um pouco de suas defesas, do lar de onde revelou ao mundo
sua terra e suas referências. Serendipity, como a própria palavra
anuncia, põe na mesma levada o acaso e a felicidade. A cantora continua
ligada às origens, mas agora mira para fora. Mira e veja, Déa fez o que
parecia impossível, coseu os tambores com fios e fez um disco em que o
tum-tum-tum é adivinhado por entre as cordas de todo tipo. É um disco de
violão e voz. Da voz dos violões de Rogério Delayon. Déa, como diria
minha filha, é ?boa de amigos?. No entanto, em cada poesia anunciada
pelas canções, há um olhar diferente, que é algo que se parece com a
ambição dos tímidos, aquela revelação que preserva.
O mais recente rebento de Déa, Flor do Jequi, tem a companhia de Paulo
Bellinati. A mescla entre temas populares e músicas autorais, que parece
ser o solo natural da cantora, ganha aqui uma realização musical tecida
com muito cuidado. Para ser flor, precisava de delicadeza e de uma
forma de manifestar a beleza como um dom. Para ser do Jequi, é mister
carregar a certeza de que a graça é ainda mais exigente: a beleza
esplende com potência porque a cobrança do tempo é mais veloz, em razão
do sol, que ilumina com mais força. É preciso calma para cantar canções
que estão a ponto de se perder no horizonte. É necessário engenho para
criar as possibilidades de novas estórias.
Outro lado que fascina no trabalho de Déa é sua capacidade de despertar
interesse em gente tão diferente e dispersa pelo mundo. Gismonti gosta,
Dércio Marques gostava, colegas de ofício como Ná Ozzetti e Badi Assad
também. Até o Manfred Eicher, o mais sensível dos produtores de música
contemporânea, lá de seus estúdios gelados, mandou boas palavras. A
resposta pode estar na universalidade que parte do singular. Ou na
qualidade da música. Quem sabe até na maneira de cantar, que carrega
tantas heranças que se emparelham empaticamente na memória afetiva de
cada uma daquelas pessoas.
Acho, no entanto, que a razão é mais simples. É simples.
JOÃO PAULO CUNHA
EDITOR DO CADERNO DE CULTURA
JORNAL ESTADO DE MINAS
Déa Trancoso e Paulo Belinatti – Flor do Jequi (2012)
Vêm das mais remotas lembranças do Vale do Jequitinhonha, terra natal da
cantora e compositora Déa Trancoso, as referências estéticas e sonoras
que dão brilho a Flor do Jequi, quarto disco da bem-sucedida carreira da
artista mineira, gravado em parceria com o violonista e compositor
Paulo Bellinati.
Além de apurada pesquisa das tradições musicais do interior mineiro traz
composições inéditas, além de embalagem de encher os olhos, com
aquarelas de Mariza Trancoso, prima da cantora.
Não se trata de um disco fácil. Os trabalhos da intérprete nunca se
nortearam por essa diretriz. Produzido por Déa e por Paulo Bellinati,
autor dos arranjos, o novo projeto ressalta peças do tradicional
cancioneiro regional, como Coco da veia, adaptado pela artesã Lira
Marques e gravado pelo Coral Trovadores do Vale. Há espaço para
releituras, como Tropeiro das cantigas, de Paulinho Pedra Azul, e para
obras autorais, como Estreleira, de Déa, e Flor do Jequi, parceria dela
com Sérgio Santos.
“Flor do Jequitinhonha/ dos ermos, lá do sertão/ barranqueira e
montanha/ alento do coração/ florzinha de água doce/ rosinha bem
delicada/ que enfrenta toda tormenta”, diz a letra – uma espécie de
síntese do trabalho de Déa.
*por Sérgio Rodrigo Reis - EM Cultura
“O disco de Déa e Bellinati traz a participação do percussionista Guello
na faixa Mestre Diôla, de Gonzaga Medeiros. Coube a Egberto Gismonti
escrever a apresentação: “Acredito que existam somente dois tipos de
música – a que hoje representa o alimento que mantém viva minha
esperança e a de que amanhã precisarei, quando, desesperançado,
descobrir estar pronto à aceitação de novo alimento. As músicas de Flor
do Jequi estimulam uma emoção difícil de encontrar: a voz da Déa canta
os arranjos de Bellinati, que tocam a voz de Déa, que cantam os arranjos
de Bellinati, que tocam....”
*por Egberto Gismonti
Faixas
01 – Pai Chão – Edílson Dhio e Lima Jr.
02 – Contradanças – Tradicional/Adaptação Déa Trancoso e Josino Medina
03 – Flor do Jequi – Sérgio Santos e Déa Trancoso
04 – Nem Curto, Nem Comprido – Tradicional/Adaptação Déa Trancoso
05 – Pisa no Toco – Tradicional/Adaptação Déa Trancoso
06 – Tropeiro de Cantigas – Paulinho Pedra Azul
07 – Coco da Véia – Tradicional/Adaptação Lira Marques
08 – Estreleira – Déa Trancoso
09 – Batuques – Tradicional/Adaptação Déa Trancoso e Pereira da Viola
10 – Mestra Diôla – Gonzaga Medeiros
11 – Zum Zum Zum – Tradicional/Adaptação Déa Trancoso
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