Translate

domingo, 1 de outubro de 2017

LUIZ GABRIEL LOPES - O FAZEDOR DE RIOS


 Luiz Gabriel Lopes (ou LG Lopes, como aparece na capa de seu segundo disco solo, “O fazedor de rios”) carrega na fala mineira, na forma de levar a vida e nas canções uma modernidade única, que se conjuga com certo (e bendito) anacronismo setentista hippie. Chico César, admirador confesso e convidado de seu disco, definiu-o bem em entrevista: “Sempre atrás de uma cachoeira, parece que vive num eterno acampamento”. Porém, seja como artista que se lança em temporadas tão aventureiras quanto produtivas pela Europa, seja em seu trabalho com as bandas Graveola e TiãoDuá, seja como um dos idealizadores e produtores do festival Cantautores (em Belo Horizonte), não há nele nada do hippie folclórico, personagem do passado.
— Essa identidade da hippeza nunca veio da minha parte, mas entendo — avalia Lopes. — Não é esse bicho-grilismo pejorativo, de uma preguiça nefasta, de algo estacionado. Uma imagem que eu gosto é a do capiau elétrico. Na verdade sou um matuto, fui criado numa cidade rural, de 10 mil habitantes (Entre Rios de Minas). Vejo que a minha identidade, minha linguagem, talvez esteja firmada sobre isso, eu ter esse substrato, um lance mais matuto, mais capiau, de observação, ao mesmo tempo que tem uma experiência da cidade muito forte em mim. Ainda mais nos últimos anos, quando comecei a viajar, desembolar muito.
A estrada é fundamental para a compreensão da música de Lopes. Foi em Lisboa, para onde foi numa turnê do Graveola, que, ele mesmo diz, “virei compositor”. Ele esteve lá novamente no fim de novembro, apresentando seu novo disco, como que fechando um ciclo — depois de ter atravessado a Europa fazendo música e amigos, tocando em casamentos e festivais, guiado pelo inesperado.
— Aquela primeira vez em Lisboa, com o Graveola, foi muito cabulosa. Fiquei apaixonado, a coisa da ancestralidade, a língua me pega pelo estômago, me arregaça, fico em estado de poesia. Aí falei com a galera: “vou ficar”. Fiquei três meses, e surgiu assim meu primeiro disco (“Passando portas”, 2010), que foi composto, gravado, produzido e lançado nesse tempo.
A história de “O fazedor de rios” tem um tempo muito mais dilatado que o de “Passando portas”. São canções anteriores a 2012 (apenas uma é de 2013, a simbólica “Oração a Nossa Senhora da Boa Viagem”), que foram reunidas e vagarosamente transformada em disco ao longo dos últimos anos, “nas brechas do cotidiano”, como explica Lopes no texto do encarte.


Juntas, as canções — atravessadas por um lado “pela questão do amor, do feminino” e, por outro, “pela ideia da cidade, da narrativa urbana” — soam coesas, apesar de suas origens dispersas. Foi fundamental nisso, ele conta, a participação dos músicos que o acompanham. Cruzando arranjos de sopro de leveza densa com percussões de acento baiano (em algum lugar, há uma conversa com “Livro”, de Caetano Veloso), a sonoridade do disco tem o violão como centro tranquilo — e a participação de colegas da nova cena mineira, como Gustavito, Laura Catarina, Rafael Martini e Felipe José.
O MERCADO E A MISSÃO
Lopes já tem as canções para o próximo disco prontas. Sua ideia é buscar uma sonoridade mais enxuta, explica com um olhar determinado tanto por seu hippismo quanto pelo pragmatismo, ambos reais e fortes.
— Sou ligado em mercado, carreira, sucesso, download, capa de jornal e gosto de me colocar nisso de forma a garantir meu arroz com feijão. Mas o que me move, e talvez aí esteja minha maior hippeza, é a sensação de que tenho algo a fazer, uma missão, para falar algo clichê, e posso fazer através da musica. Sou religioso, pratico reza, contato com a transcendência. Mas ao mesmo tempo sou um cara pragmático demais, sei como é a sociologia toda. É um equilibrio que é uma corda bamba.



Nenhum comentário:

Postar um comentário